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Copa do mundo e problemas do coração

Artigo de Vitor Engrácia Valenti**, originalmente publicado em Unesp Agência de Notícias

 

O esporte preferido de grande parte da população brasileira é incontestavelmente o futebol. É nítido o envolvimento do fator emocional em situações decisivas desta modalidade esportiva, em alguns casos o grau de agitação é tão intenso que desencadeia alterações fisiológicas no organismo do torcedor.
Dentro desse contexto, o Centro de Estudos do Sistema Nervoso Autônomo, grupo de pesquisa cadastrado no CNPq vinculado à UNESP de Marília, levantou estudos que investigaram a relação de problemas no sistema cardiovascular durante as Copas do mundo.
Quem não se lembra da Copa de 1998? Pois bem, um estudo publicado por dois pesquisadores franceses indicou que no dia da fatídica final entre França e Brasil o número de mortes por infarto do miocárdio nos franceses foi menor em relação aos outros dias do campeonato (Figura 1).

Figura 1: Número de mortes por infarto do miocárdio na França. Referência: Berthier e Boulay. Heart. 2003.

 

Por outro lado, foi notificado na Copa de 1998 que houve aumento de complicações cardíacas fora dos hospitais suíços registrados em homens cujo idioma nativo era o francês.
Nesse sentido, uma pesquisa publicada no renomado “The New England Journal of Medicine” analisou as ocorrências cardíacas em torcedores alemães na Copa do mundo de 2006 na Alemanha. A Figura 2 mostra uma comparação do número de ocorrências cardiovasculares nos meses de maio e junho (meses da Copa) entre os anos de 2003, 2005 e 2006.

Figura 2: Eventos cardiovasculares diários nos meses de maio e junho entre os anos de 2003, 2005 e 2006 na cidade de Munique. Referência: Wilbert-Lampen et al, N Engl J Med. 2008.

Após uma rigorosa análise estatística, foi observado que nos dias de jogos da Alemanha a incidência de complicações cardiovasculares foi 2,66 vezes maior em relação aos outros dias da competição, incluindo arritmias e infarto agudo do miocárdio. Ou seja, os pesquisadores apresentaram fortes evidências de que assistir a uma partida de futebol estressante pode dobrar a chance de uma pessoa sofrer um evento cardiovascular agudo. É importante destacar que o desempenho do time alemão na Copa de 2006 foi notavelmente pior em comparação ao time francês em 1998.

Entretanto, em 2011, o mesmo grupo levantou dados referentes à mortalidade causada por distúrbios cardíacos e fez uma relação com óbitos ocasionados por outras causas no estado alemão da Bavária. Interessantemente, os pesquisadores chegaram a uma conclusão oposta. Foi indicado que o número de mortes cardíacas normalizado pelas mortes de causas gerais não aumentou devido aos jogos da Copa do mundo. Esse resultado foi explicado devido ao tamanho amostral do estudo publicado no “The New England Journal of Medicine”. No artigo mencionado os pesquisadores conseguiram avaliar apenas 1/7 da população examinada.

Na Copa do mundo de 2010 torcedores alemães fanáticos saudáveis foram analisados durante os jogos da Alemanha nas oitavas de final (Alemanha 4 X 1 Inglaterra), quartas de final (Alemanha 4 X 0 Argentina) e na semifinal (Alemanha 0 X 1 Espanha). Por meio de variáveis cardíacas específicas foi identificado que durante os jogos o coração se sobrecarregou significantemente do ponto de vista estatístico, fato que aumenta os riscos de complicação cardiovascular.

Nessa linha de raciocínio, um estudo mais aprofundado averiguou dados do Sistema Único de Saúde (SUS) relacionados às internações hospitalares entre os anos de 1998 e 2010. A principal conclusão dessa pesquisa mostrou que os jogos da seleção brasileira na Copa do mundo possuem impacto expressivo sobre a maior incidência de infarto agudo do miocárdio, porém não apresentaram efeitos nos óbitos dentro dos hospitais.

Por último e mais recentemente, um estudo retrospectivo examinou 410 pacientes alemães implantados com desfibrilador cardíaco na Copa de 2014. A quantidade de arritmias ventriculares elevou significantemente durante a competição futebolística.

Em suma, como considerações finais do conjunto de pesquisas levantadas podemos notar que a maioria dos achados mostra influência clinicamente significante dos dias de jogos da Copa do mundo nos torcedores mais envolvidos emocionalmente com o esporte. Mesmo que alguns grupos de pesquisa tenham indicado ausência de efeito da Copa do mundo sobre o coração, é de extrema relevância o acompanhamento regular com a equipe clínica multidisciplinar para acompanhamento do estado de saúde e prevenção de possíveis distúrbios cardíacos.

Referências:

Berthier F, Boulay F. Lower myocardial infarction mortality in French men the day France won the 1998 World Cup of football. Heart. 2003;89(5):555-6.
Borges DG, Monteiro RA, Schmidt A, Pazin-Filho A. World soccer cup as a trigger of cardiovascular events. Arq Bras Cardiol. 2013;100(6):546-52.
Katz E, Metzger JT, Schlaepfer J, Fromer M, Fishman D, Mayer L, Niquille M, Kappenberger L. Increase of out-of-hospital cardiac arrests in the male population of the French speaking provinces of Switzerland during the 1998 FIFA World Cup. Heart. 2005;91(8):1096-7.
Kondo Y, Linhart M, Schwab JO, Andrié RP. Incidence of ventricular arrhythmias during World Cup football 2014 in patients with implantable cardioverter defibrillator. Int J Cardiol. 2015;187:307-8.
Wilbert-Lampen U, Leistner D, Greven S, Pohl T, Sper S, Völker C, Güthlin D, Plasse A, Knez A, Küchenhoff H, Steinbeck G. Cardiovascular events during World Cup soccer. N Engl J Med. 2008;358(5):475-83.
Wilbert-Lampen U, Nickel T, Scheipl F, Greven S, Küchenhoff H, Kääb S, Steinbeck G. Mortality due to myocardial infarction in the Bavarian population during World Cup Soccer 2006. Clin Res Cardiol. 2011;100(9):731-6.

 

**Vitor Engracia Valentti é professor da UNESP Marília e coordenador do Centro de Estudos do Sistema Nervoso Autônomo, cujo foco é o estudo dos aspectos fisiológicos envolvidos com a regulação do ritmo cardíaco. vitor.valenti@unesp.br

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