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Cientistas brasileiros correm para controlar o Aedes aegypti e combater as doenças que o mosquito transmite
Pesquisa

por | 7 jan 2016

Centenas de cientistas brasileiros, espalhados por centros e laboratórios de pesquisa das cinco regiões do país, estão neste momento empenhados numa corrida que não lhes permitiu sequer curtir com tranquilidade as festas de fim de ano e o período habitualmente preguiçoso entre Natal e Ano Novo.

Eles correm contra o tempo. E seu alvo coletivo é simultaneamente desvendar detalhes da biologia do Aedes aegypti, conhecer mais e mais o comportamento dos vírus da dengue, zika e da febre chikungunia, entender a interação desses vírus com o sistema imunológico humano, desenvolver formas mais rápidas e precisas de diagnóstico e métodos mais eficazes de prevenção e controle das doenças que o mosquito hoje onipresente no território brasileiro transmite.

Embora a pesquisa mais sistemática em torno da dengue se desenvolva no país desde a última década do século passado, uma corrida muito maior pelo conhecimento amplo desse assunto se justifica agora porque é urgente evitar que a epidemia das doenças transmitidas pelo Aedes se expanda a ponto de tornar-se uma tragédia de saúde pública.

É particularmente urgente decifrar o zika, um vírus cheio de mistérios — que só no ano passado entrou no país e em pouco tempo foi isolado por cientistas baianos –, por conta da relação já estabelecida entre a infecção de gestantes por esse agente e a microcefalia em bebês. Essa condição que afeta o desenvolvimento neuropsíquico e motor das crianças, além das complicações visuais e auditivas, é muito difícil, complexa, tanto no âmbito familiar quanto em termos de saúde coletiva. No momento, já estão registrados quase 4 mil casos de microcefalia em bebês no país.

Consideradas no conjunto, as tarefas com que deparam as centenas de cientistas envolvidos na pesquisa do Aedes e correlatas não são fáceis nem simples. Melhor: constituem um empreendimento gigantesco. E podem dar bem uma medida de como o conhecimento científico, que tantas vezes não tem mesmo nenhuma função prática imediata e servem mais à grande aventura de expansão do horizonte humano, pode por outro lado ser acionado para resolver um terrível problema imediato.

Veja-se que neste caso se trata de acionar ao mesmo tempo ciência básica, ciência aplicada, capacidade tecnológica e poder de inovação. Desse ponto de vista, o drama atual do Aedes é uma oportunidade exemplar para que o país também ganhe consciência sobre a importância de investir na formação de cientistas, tecnólogos e empreendedores e na continuidade das pesquisas.

Uma rede em São Paulo – Afora o trabalho no Instituto Butantan, que desenvolveu uma vacina com cobertura para as principais variedades do vírus da dengue no Brasil, a essa altura já entrando em testes clínicos finais (em breve daremos notícias frescas sobre isso), São Paulo tem neste momento uma rede virtual de pesquisa com 42 nós, trabalhando praticamente sem parar sobre o Aedes e assuntos correlatos.

“Se calcularmos de cinco a dez pesquisadores em cada um desses nós, podemos estimar neste momento aproximadamente de 200 a 400 cientistas trabalhando ininterruptamente no Estado de São Paulo nas questões que podem nos levar a reduzir os problemas da epidemia de doenças transmitidas pelo Aedes, especialmente aqueles provocados pelo zika”, diz Paolo Zanotto, professor do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) e coordenador de um dos principais grupos de pesquisa em vírus do país. Os temas a que ele mais se dedica são evolução de flavivirus, baculovirus, filogenia viral, arboviroses emergentes e filogenia molecular.

Zanotto entende que é fundamental entender o que está acontecendo no país com o zika e desenvolver bons sistemas de detecção e de identificação sorológica. Com esta preocupação, ainda nessa semana o ICB recebeu um grupo de pesquisadores do Senegal que trabalhou bastante durante o surto do vírus Ebola na Guiné e outros países da África Ocidental. Eles vão atuar no treinamento de novas equipes com capacitação para fazer essa detecção do vírus e, cada equipe formada deverá treinar duas novas, numa rápida multiplicação de competência.

Sobre os avanços no conhecimento do vírus, ele destaca, por exemplo, o que o grupo de imunologia do ICB vem obtendo e os novos dados sobre o que o zika faz no cérebro, conseguidos pelo grupo de Patrícia Beltrão na Veterinária da USP. “Ela trabalha com microencéfalos, pequenos cérebros humanos in vitro”, diz a título de ilustração dos modos de pesquisa.

Uma expectativa de aumento substancial do conhecimento sobre zika em São Paulo vem do sequenciamento em massa do vírus que vai começar já. “Ele parece com o vírus da dengue, mas tem um comportamento muito diferente no interior da célula, comenta Zanotto. As redundâncias que devem vir do sequenciamento darão mais segurança às informações genéticas, que ainda são escassaspor exemplo, aos dados da imunologia etc..

A rede paulista se desdobra por São Paulo, Campinas, Ribeirão Preto, Botucatu, Jundiaí, Pirassununga e variadas outras cidades.

Investimentos em larga escala – Com apoio direto da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), considerando dados até abril de 2015, hoje há 26 projetos de pesquisa sobre Aedes e correlatas em andamento no estado. No período de 1993 até abril de 2015, 126 projetos foram concluídos. É um investimento formidável que totaliza cerca de R$ 50 milhões. Desde maio, os números devem ter experimentado um crescimento ainda não oficializado.

 

 

As pesquisas nesse campo, contudo, se estendem por todo o país, e vale a pena tomar hoje, por exemplo, o caso da Bahia, que é o lugar de origem de dois dos três artigos científicos brasileiros já publicados sobre zika, desde o ano passado, no periódico científico Emerging Infectious Deseases, o último deles há duas semanas.

Um dos pesquisadores mais atuantes dos cerca de 15 da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e da Fiocruz-Bahia que têm se dedicado ao assunto, Guilherme Ribeiro, aliás, vinculado às duas instituições, destaca as grandes lacunas no conhecimento que, em sua visão, precisam ser preenchidas para que o país chegue a um controle efetivo da epidemia das doenças transmitidas pelo Aedes aegypti.

“Primeiro, é a fragilidade que ainda temos no diagnóstico”, diz. Há problemas no reconhecimento laboratorial para o vírus zika e outros arbovirus, como o da chicungunia e o da dengue. “São da mesma família, há reações cruzadas no exame sorológico que acabam atrapalhando o diagnóstico”, diz, coincidindo com a visão de seu colega paulista, Paolo Zanotto. Preocupa-o em particular a pouca capacidade laboratorial instalada no país em relação a um problema como a microcefalia em bebês.

A segunda lacuna apontada por Guilherme é justamente na estruturação de uma rede de assistência para os as crianças que estão nascendo com microcefalia, desde o diagnóstico até o planejamento de sua inserção social, com assistência neurológica, fisioterapia assegurada e assistência social.

A terceira grande lacuna está no controle do vetor, o Aedes aegypti. E isso tanto em termos das políticas mais simples de destruir os criadouros quanto em relação às tecnologias que infectam os mosquitos, dificultando a multiplicação dos vírus em seus organismos, ou esterilizam as fêmeas do Aedes.

Por fim, a quarta lacuna, é a das vacinas. Sanofi, com a vacina já lançada, Butantan, Fiocruz, Merck, trazem fortes promessas nesse sentido para a dengue, mas há as outras doenças e em especial a dengue.

O caminho a percorrer, portanto, é árduo. E o país tem pressa.

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