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Brasil ganha banco de dados aberto sobre atropelamento de animais

A revista Ecology, publicação da Sociedade Ecológica da América, tornou público um banco de dados sobre atropelamentos fatais de animais em rodovias no Brasil. A iniciativa teve a participação de várias universidades brasileiras e contou com o financiamento de agências de fomento públicas e de uma fundação privada.

Os dados foram coletados de diversas fontes, tanto de pesquisas sistemáticas, em que trechos de estradas são monitorados continuamente, quanto de contribuições oportunistas, em que pesquisadores registram casos específicos. Essa diferença (viés de compilação) é uma das limitações relacionadas aos dados apontadas no próprio artigo. As outras são: viés geográfico, já que os dados foram coletados principalmente na região sul; viés de detectabilidade e remoção de carcaças, porque espécies de pequeno porte são menos detectáveis e porque animais mortos costumam ser retirados da pista em menos de 24 horas, e o viés de identificação de espécies, relacionado à impossibilidade de identificação de animais já em estágio avançado de decomposição.

Mesmo com essas limitações, trata-se do maior conjunto de dados sobre atropelamentos fatais de fauna no país e, com o uso dos registros de pesquisas sistemáticas, é possível estimar taxas de atropelamentos fatais, examinar padrões de espaço e tempo dos atropelamentos e modelar os fatores que podem explicar o fenômeno e analisar o impacto potencial em populações de animais. Usando os registros de pesquisas sistemáticas e contribuições oportunistas, é possível listar as espécies com mortalidade relacionada a atropelamentos, identificar riscos a espécies ameaçadas e analisar fatores locais que possam explicar a probabilidade de atropelamentos fatais. O conjunto de dados permitirá ainda a detecção de lacunas em pesquisas sobre o tema que possam indicar caminhos a serem seguidos por pesquisadores, além de ser útil em outros estudos de macroecologia e conservação.

O Ciência na Rua entrevistou a pesquisadora portuguesa Clara Grilo, que foi professora visitante na Universidade Federal de Lavras e é a autora principal do artigo publicado na Ecology.

A pesquisadora Clara Grilo e um texugo atropelado

Existe uma estimativa global do impacto de atropelamentos para a fauna?

Não existe uma estimativa em nível mundial, mas há vários trabalhos que apontam para milhões de aves que são atropeladas por ano nos Estados Unidos e milhões de vertebrados na Europa. Por isso, com o aumento da rede viária e do tráfego de automóveis na Ásia e América Latina, arriscaria dizer que devem ser centenas de milhões de vertebrados terrestres a serem vitimas de atropelamento por ano em nível global.

O trabalho de vocês se inspira em trabalhos realizados em outros países?

Este trabalho surgiu da necessidade de identificar os segmentos de rodovia com maior probabilidade de atropelamentos em felinos e lobo-guará de duas alunas de doutorado e mestrado. A única forma de acessar os dados foi oferecer a todos os contribuidores de dados a autoria num artigo em forma de data paper (artigo com acesso livre aos dados). Existem vários datapapers em outros temas do Brasil e a nível mundial, mas não conhecemos nenhuma compilação de dados de atropelamentos publicada numa revista internacional e de livre acesso.

Quais são as dificuldades para o estudo do impacto de atropelamentos? O uso de big data resolve essas dificuldades?

Muitos trabalhos são realizados num curto espaço de tempo e em áreas relativamente pequenas, o que impossibilita ter um conhecimento mais amplo dos fatores que explicam a ocorrência de atropelamentos. O acesso a um grande conjunto de dados permite obter resultados mais robustos e rigorosos.

Quais as dificuldades para realizar essa compilação de dados?

A única dificuldade que tivemos foi de uniformizar os dados numa única tabela com o mesmo sistema de coordenadas geográficas. Os trabalhos em atropelamentos já estavam feitos e o nosso  foi apenas contatar os autores e pedir que nos enviassem os registros de atropelamentos (espécie, data e coordenadas geográficas).

Atropelamentos fatais de fauna por classe sobrepostos a biomas e malha rodoviária

Como se faz o levantamento desses dados? O que são as contribuições oportunistas e as pesquisas sistemáticas? Pode me dar algum exemplo de contribuição oportunista?

A maioria dos dados provêm de trabalhos sistemáticos em que estudantes e pesquisadores monitoraram a rodovia de forma regular. As contribuições oportunistas provêm de observações de atropelamentos na rodovia sem qualquer trabalho de monitorização.

Vejamos se entendi: a pessoa está na estrada, dirigindo, vê um tatu atropelado e informa à polícia rodoviária. É isso? Como esse dado chega até o banco de dados?

Os dados oportunistas são mesmo dos próprios pesquisadores que contatamos. Registraram nas suas viagens e depois cederam essa informação para nós. Não existe nenhuma base de dados recolhida pela polícia, embora em muitos países ja existam devido aos acidentes causados principalmente por grandes ungulados [antiga designação de mamíferos com casco, como cavalo e boi, hoje em desuso] e em Portugal vai começar um projeto de formação da polícia de trânsito para identificar espécies de vertebrados atropelados em toda a rede nacional de estradas.

Como as informações compiladas podem ser usadas, na prática, para diminuir os atropelamentos?

Esta base de dados permite analisar de forma mais rigorosa quais os factores espaciais e temporais que promovem os atropelamentos. Se descrevermos os padrões espaciais e temporais dos atropelamentos conseguiremos prever em que segmentos de rodovia a probabilidade de atropelamento é maior e recomendar onde devem ser implementadas medidas de minimização de atropelamentos como as passagens para fauna ou a vedação.

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