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Biodiversidade conservada, com maior densidade de polinizadores, aumenta rendimento agrícola em pequenas e grandes propriedades
Produção de alimentos

por | 26 jan 2016

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Abelha polinizadora em destaque da Science de 22 de janeiro

Imagine que fosse possível combinar produção de alimentos com conservação da biodiversidade e ainda ter como resultado um aumento significativo na produtividade agrícola. Sonho, não? O melhor dos mundos, com certeza. Pois um artigo publicado na respeitada revista Science na sexta feira, 22 de janeiro, com participação de 12 brasileiros entre os 35 autores, demonstra exatamente essa possibilidade. E isso tem a ver, você logo verá, com polinização.

O artigo científico em questão, ou paper, como também se diz, intitulado “Mutually beneficial pollinator diversity and crop yield outcomes in small and large farms”, é uma meta-análise de uma série de resultados de pesquisas apresentados por cientistas de 18 países que, durante cinco anos, de 2010 a 2014, observaram simultaneamente o número de agentes polinizadores, a biodiversidade e o rendimento de 33 cultivos, entre eles, maçã, pepino, caju, café, feijão, algodão e canola.

Vários brasileiros no artigo da Science

Os pesquisadores monitoraram 334 pequenas e grandes propriedades em 12 países da África, Ásia e América do Sul, e uma mesma dinâmica foi identificada em todas as nações que participaram do estudo, ou seja, o rendimento agrícola cresce à medida que a densidade de polinizadores aumenta.

Fica demonstrado assim festeja o primeiro autor do artigo, Lucas Garibaldi, 34 anos, que “preservar a biodiversidade em paisagens agrícolas não é importante apenas para a nossa herança biocultural, mas também para a segurança alimentar e a economia”. Desse modo, ele acrescenta, “os tomadores de decisão deveriam implementar urgentemente medidas e legislações que favoreçam as práticas amigáveis à biodiversidade”.

Líder da pesquisa que recebeu financiamento do Fundo Mundial para o Meio Ambiente (GEF) da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), Garibaldi é professor da Universidade de Rio Negro, Argentina, e neste momento também professor visitante especial do Programa de Pós-Graduação em Ecologia e Biomonitoramento, do Instituto de Biociências da Universidade Federal da Bahia (IB-UFBA).

Lucas Garibaldi, 34 nos, na liderança do estudo internacional

É professora do mesmo Instituto, a propósito, Blandina Felipe Viana (UFBA), que coordenou as pesquisas na cultura da maçã na Chapada Diamantina, na Bahia e que se mostra entusiasmada com os resultados alcançados. “Uma das principais contribuições desse estudo que o Brasil liderou é exatamente a constatação de que é possível conciliar agricultura com conservação da biodiversidade e ter como resultado o aumento da produtividade agrícola”, ela ressalta, assim como Garibaldi.

“Nessa relação os dois lados saem ganhando”, acrescenta. E ela está convencida de que esse amplo estudo “abre uma janela de oportunidade de mudança para o novo paradigma da sustentabilidade, por meio da intensificação ecológica da agricultura”.
Blandina conta que 6 culturas brasileiras foram observadas por pesquisadores de distintas instituições, do Ceará ao Rio Grande do Sul, com o mesmo padrão metodológico válido para todos os cultivos e propriedades. “Todo esse trabalho já rendeu muitos artigos científicos, sempre mostrando que o aumento da diversidade e da densidade de polinizadores resulta sempre em aumento da produtividade agrícola, em até 47%”, comenta.

Polinizadores naturais, explique-se logo, podem ser abelhas, para as maçãs, por exemplo, mariposas, para a flor da mangaba, besouros, para as pinhas, morcego, para a tequila, e a lista segue por aí extensa e divertida.
É claro que para fazer a pesquisa os cientistas não ficaram só olhando, mas também manejaram polinizadores para medir resultados diante de determinadas mudanças de variedades e densidade.

No caso da experiência com a cultura da maçã no Agropolo de Mucugê-Ibicoara, na Chapada, primeiro se observou a polinização natural, se lidou um pouco com a polinização manual, se comparou a produtividade da variedade Eva, ali, com a produtividade da mesma maçã em outras áreas, como no Vale das Vertentes, em Minas, perto de Lavras. “Enquanto em Minas se tinha 40 toneladas por hectare, na Bahia se tinha só 22 toneladas por hectare”, Blandina conta.

Aí começaram os experimentos com a abelha africanizada, no segundo ano, depois se diversificou com a abelha sem ferrão, e o dado bem significativo é que quando se diversificou os polinizadores, além de se ter incrementado sua densidade, observou-se um aumento de 67% na produção das sementes nas maças e de 44% na produção de frutos. Um sucesso!

O fundamental a observar aí é que diversidade e densidade de polinizadores ocorre naturalmente quando a biodiversidade é preservada. Portanto, se fertilizantes, defensivos agrícolas e novas tecnologias de manejo foram fundamentais para fazer a revolução verde de meados do século XX, “é preciso entender que, em paralelo ao esgotamento desse modelo, por razões imperativas de preservação do meio ambiente, o ‘pulo do gato’ agora está justamente na descarbonização da economia agrícola”, diz Blandina Viana. É a conservação da biodiversidade, propiciando aumento da densidade e permanência da diversidade de polinizadores que abre uma avenida nova para a questão do rendimento na produção de alimentos.

Os cultivos brasileiros no projetão da FAO

Algodão e melão, estudados por pesquisadores respectivamente da Embrapa Semiárido, de Pernambuco, e da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, de Brasília, também mereceram atenção do projeto de conservação e manejo de polinizadores para uma agricultura sustentável, bancado pela Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO-ONU), que valeu a capa da Science no dia 22 passado.

A rigor, o algodoeiro não depende do trabalho de polinização das abelhas para se reproduzir, mas a planta acaba se beneficiando com a visita de insetos que aumentam a sua produtividade.

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Abelha nativa na flor do algodoeiro (Fonte: Viviane Pires/Embrapa)

Carmen Pires, pesquisadora da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Brasília, constatou que “existem cerca de 130 espécies visitando as flores do algodão. E os insetos aumentam, em média, 18% a produtividade dessa cultura”.

Já a planta do melão depende completamente das abelhas que irão polinizar suas flores para transformá-las em frutos. “Quando a presença delas e de outros polinizadores está em quantidade adequada ao tamanho da área cultivada, o agricultor pode ter certeza de uma boa produção”, disseram Márcia Ribeiro e Lúcia Kill, ambas da Embrapa de Pernambuco

Um problema detectado pelos pesquisadores envolvidos no estudo da FAO foi a queda no número de polinizadores em todo o mundo em decorrência da destruição da biodiversidade em amplas regiões. Aves, morcegos, besouros, borboletas, mariposas e abelhas atuam diretamente na polinização de 75% das variedades de cultivos para alimentação humana. Conhecer mais sobre isso também permite contribuir mis para sua preservação.

Entre as instituições brasileiras, participam dessa grande pesquisa a Universidade Federal da Bahia (UnB), Universidade Federal do Ceará, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Universidade Federal de Sergipe, Jardim Botânico do Rio de Janeiro, Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia, Universidade de São Paulo (USP), Fepagro Vale do Taquari e Embrapa.

 

 

 

 

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