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A mais completa ficção

por | 1 mar 2016

[media-credit name=”© Maíra Moura Miranda” align=”aligncenter” width=”637″]monstro-atras-da-porta

Estou aqui desenhando, mal, diga-se logo, o monstro atrás da porta de quem fugi correndo para terminar caindo no tédio dessa sala anódina. Parece o grandalhão da Universidade Monstros, mas em preto e branco, porque só tenho aqui uma canetinha de plástico vagabunda, preta.

Juro que fico com pena dos professores. Duas da tarde, ele ou ela se esgoelando na frente daquela sala enorme, ainda bem que tem ar condicionado, e a galera toda frenética no zap. Ninguém está ouvindo nada.

No primeiro ano era nos laptops da sala de aula mesmo, uma sala-laboratório, um luxo, que todo mundo aproveitava para checar emails, responder as mensagens, ver a programação de cinema, etc. Talvez fosse até mais acintoso. O celular é mais discreto, eu acho.

Mas fico com pena de mim também. Depois de todo o esforço para entrar na universidade, de todos os enens e fuvests da vida, não consigo achar que estou fazendo alguma coisa séria. Ou que estou aprendendo alguma coisa que vai me servir adiante para trabalhar em algo criativo e útil, que me deixe feliz, como propõe minha mãe.

O problema de comunicação, acho, é essa falta de propósitos claros. É para fazermos o quê, meu deus, com esses estudos culturais, essas semióticas, essas sociologias da comunicação???? Eu adoraria que alguém me desse umas pistas. Não sei se meus amigos das ciências sociais são mais felizes, talvez, ou os da história, mas o que sinto é que meus colegas que optaram por medicina, engenharia, química, sei lá mais o quê, no terceiro ano já têm um rumo, quer dizer, sabem em que vão tentar trabalhar. Mas comunicação? Eu tenho uma amiga mais velha, de uns 30 anos, que já fez até mestrado e continua sem ter ideia do que vai ou do que quer fazer.

No curso é tudo meio embromation, os melhores professores fazendo desfilar uma lista infindável de autores que nunca vou ler a sério, os piores me fazendo dormir na sala de aula, eu sem nem saber do quê eles estão falando, e eu devolvendo provas e trabalhos escritos com uma citação metida puxada do Google aqui, outra pior ainda ali, fingindo que estudei e pude desenvolver um olhar crítico para algum lado. Dá para entender por que um monte de gente larga a faculdade no segundo ano.

Acho que era mais fácil quando minha avó fez faculdade. Aliás, esse meu nome esquisito, com Neta no final, devo a ela. Ou melhor, a meu pai que era um edipiano de carteirinha (ah, vocês não sabem o que é edipiano? Isso eu sei, me mande uma mensagem que explico). Se tem júnior e neto finalizando um nome, por que não neta?, ele, homem metido a feminista, argumentou para minha mãe ao homenagear a própria mãe ao me registrar. Me tascou o nome dela mais esse neta que todo mundo estranha. Ok, galera, minha avó é até legal, mas não precisava, né?

Naquele tempo muito distante de minha avó o sujeito ia fazer comunicação na expectativa de virar jornalista, publicitário, relações públicas etc., pouquíssimos ansiavam virar Umberto Ecco. Acho que o pessoal da faculdade de comunicação ficou com vergonha de ser pouco científico, de só preparar técnicos, aí desistiu desse caminho e ficou procurando outro meio atabalhoadamente, e é na barafunda que se criou que me encontro.

Tudo isso porque na hora de fazer vestibular quis me livrar de vez daquele monstro atrás da porta da sala de aula com o corpo infectado por equações de matemática e física, por fórmulas químicas intermináveis, por demonstrações biológicas matematizadas, um horror que enchia minhas noites de pesadelo e minhas manhãs de náusea antes de ir para o colégio enfrentar essas matérias.

Foi isso, me livrei do monstro e caí na mais completa ficção. Depois conto mais.


Luz Garcia Neta, 20 anos, é estudante de comunicação e, a rigor, é uma ficção.

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