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A beleza química dos ipês: lapachóis, seus derivados e outras classes de produtos naturais

Volto a destacar em texto para o Ciência na rua a beleza química da biodiversidade. O objetivo geral é despertar a atenção dos nossos meninos e meninas para o mundo fascinante da ciência, ainda mais neste momento em que a ciência, a tecnologia e a inovação se veem seriamente ameaçadas no país por uma Medida Provisória. Ao desobrigar a disciplina de ciências no ensino médio, abre-se um horizonte de descompasso dos nossos jovens com aqueles de países onde educação é prioridade de estado, e coloca-se em risco o futuro profissional de uma geração ao distanciá-la das práticas de um mundo global, complexo e competitivo.

Ao falar sobre produtos naturais da biodiversidade brasileira no Ciência na Rua meu objetivo é também dar evidências de como o conhecimento é importante para se entender os segredos da vida, a presença e a importância da ciência na vida de cada um de nós. E se é verdade que pessoas mais instruídas e educadas terão muito mais oportunidades de obter melhores posições profissionais, igualmente é verdade que isso lhes possibilita enxergarem o universo como uma fonte inesgotável de inspiração.

Nesse texto o alvo é a beleza que os olhos não conseguem captar dos Ipês, árvores imponentes e, até um mês atrás, lindamente floridas.  Este ano, a primavera chegou antes do tempo na cidade de São Paulo e, pelo que temos visto, em todos os cantos do Brasil, Muito apreciada pelos brasileiros do Oiapoque ao Chuí, com sua floração amarela intensa e brilhante que enche os olhos de beleza e suavidade, o Ipê tornou-se a árvore símbolo do Brasil (figura 1). Outros ipês também imponentes têm suas copas cobertas de flores de cores variadas: rosa, amarela, branca e lilás (figura 2).

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Figura 1. Tecoma longiflora árvore conhecida como Ipê amarelo. Sua flor amarela e de brilho intenso tornou-se símbolo do Brasil

 

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Figura 1. Ipê branco ou ipê-mandioca (Tecoma alba), ipê roxo ou ipê-rosa (Tecoma heptaphylla), ipê amarelo ou ipê comum (Tecoma longiflora) a árvore símbolo do Brasil e espécies de Tabebuia sp., cobertas de flores no período da floração.

Ipê é o nome genérico das espécies do gênero Tabebuia, pertencente à família botânica Bignoniaceae, de distribuição pantropical e muito bem representada em todas as regiões brasileiras.  O táxon possui cerca de 120 gêneros e 800 espécies, sendo que cerca de 100 espécies de Tabebuia são conhecidas popularmente como ipês, atualmente reclassificadas nos gêneros Handroanthus e Tabebuia, muito frequentes nas regiões neotropicais.

Estudos recentes de filogenia molecular indicaram que Tabebuia é um gênero polifilético e dado a variedade morfológica, gerou muitos sinônimos no grupo. O gênero Tabebuia foi dividido e, algumas espécies antes pertencentes a este gênero é agora reconhecida no gênero Handroanthus.  Alguns taxonomistas propõem o reconhecimento do grupo brasileiro de ipês como membros de Handroanthus. No Brasil, são bem representados e embelezam matas, campos, jardins, cidades, nos meses de julho a setembro, quando perdem as folhas e ficam todinhos cobertos de flores.

Outra característica que destaca os ipês é sua madeira, pesada (densa) e dura, resistente ao ataque de organismos xilófagos (insetos que se alimentam de madeira, cupim, vespas, besouros da classe dos gorgulhos e dos carunchos) (Figura 3). É muito utilizada na construção civil e naval, na confecção de instrumentos musicais e na marcenaria para confecção de móveis de alto padrão (Silva, 2002). Portanto, de alto valor comercial.

Figura 3. Tronco dos ipês, madeira resistente ao ataque de insetos e dura é utilizada na construção civil e naval, na confecção de instrumentos musicais e marcenaria para confecção de moveis de alto padrão.

Figura 3. Tronco dos ipês, madeira resistente ao ataque de insetos e dura é utilizada na construção civil e naval, na confecção de instrumentos musicais e marcenaria para confecção de moveis de alto padrão.

A madeira de todas as árvores tem composição química bem diversa e a dos ipês não é diferente. Destacamos aqui apenas a composição estrutural das substâncias orgânicas poliméricas: celulose (41-43% to total da madeira), hemicelulose, que varia de 20% a 30%, dependendo da taxonomia da espécie, e os ipês estão incluídos neste percentual (Figura 4).

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Figura 4. Polímeros de açucares, a celulose constitui cerca de 41-43% e a hemicelulose, varia de 20-30% do total da madeira de espécies de plantas terrestres

A lignina é outro constituinte importante para a estrutura da madeira, que varia de 27% nas coníferas a 23% em madeira de árvores de folhas decíduas (Figura 5). Estes três componentes estão unidos por ligações covalentes entre a lignina e a hemicelulose, construindo a estrutura dos ipês, considerada uma “árvore de alto padrão de qualidade.”

Figura 5. Estrutura da lignina, constituinte químico essencial do tronco e caules das espécies vegetais

Figura 5. Estrutura da lignina, constituinte químico essencial do tronco e caules das espécies vegetais

Em termos químicos, a diferença entre madeira dura e madeira macia deve-se à composição de lignina. Atribui-se ao polímero formado principalmente de álcool sinapílico, as madeiras “duras”. E a lignina de fibra longa, como as derivadas de álcool coniferílico, as madeiras “macias”. Esas características moleculares, conferem qualidade a madeira das árvores.

Além das macromoléculas, constituintes do tecido de sustentação, a beleza invisível deste grupo vegetal é caracterizada também por uma grande diversidade de derivados aromáticos e alifáticos. Dentre as substâncias aromáticas, os derivados fenólicos como os dímeros de C6-C3 (lignanas e neolignanas) são constituintes químicos acumulados em várias espécies e em geral possuem atividade biológica contra patógenos exógenos, conferindo resistência a insetos, microrganismos e outros predadores. A lignana tetra-ariltratalina isolada sw Tabebuia chrysotricha (Martius ex De Candolle) é um exemplo (Figura 6).

Figura 6. Lignana isolada de galhos de Tabebuia chrysotricha

Figura 6. Lignana isolada de galhos de Tabebuia chrysotricha

Além de lignoides, outros produtos naturais são de ocorrência frequente neste grupo vegetal, como os flavonoides, quinonas, naftoquinonas. Entre os produtos naturais de natureza alifática destacam-se os monoterpenos (iridoides) e triterpenos pentacíclicos (Figura 7).

Há inúmeros relatos na literatura sobre as propriedades terapêuticas dos ipês, muitos dos artigos científicos comprovam o uso tradicional das tabebuias para várias enfermidades. Dentre as inúmeras propriedades terapêuticas atribuídas aos ipês, ressaltam-se os usos como antiinflamatório, antitumoral, antimicrobiano, ferimentos cutâneos, tripanocida. Há uma vasta literatura científica sobre o uso popular da madeira, especialmente das cascas do caule de T. heptaphylla (Syn T. ipe Standl) de e outras árvores de Bignoniaceae. Tradicionalmente esta espécie é usada no Brasil e em outros países da América do Sul para tratar ferimentos externos, câncer e inflamações.

Figura 7. Exemplos de classes mais frequentes de produtos naturais acumulados nas espécies de ipês

Figura 7. Exemplos de classes mais frequentes de produtos naturais acumulados nas espécies de ipês

As antraquinonas são os principais marcadores quimiotaxonômicos de Bignoniaceae e assim, são substâncias que caracterizam a química das espécies deste táxon. São muito estudadas sob os mais diversos aspectos, tendo química e farmacologicamente descritos na literatura, com destaque para as propriedades farmacológicas do lapachol, a-lapachone, b-lapachona e outros derivados (Figura 8).

Figura 8. Naftoquinonas acumuladas nas espécies de ipês – Lapachol e derivados mais comuns nas Tabebuias

Figura 8. Naftoquinonas acumuladas nas espécies de ipês – Lapachol e derivados mais comuns nas Tabebuias

 

Referencias bibliográficas

 

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Vanderlan da S. Bolzani é professora titular do IQAr-UNESP, membro da Coordenação Biota, vice-presidente da SBPC

 

 

 

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